domingo, 5 de febrero de 2017

A relevância da morte



Desde a antiguidade a morte tem sido um tema de grande controvérsia, evidentemente, porque ela representa o final inesperado daquilo tão estimado e conhecido como é a vida. No entanto, nem sempre foi assim, a morte, como todo processo, foi vista de diferentes maneiras segundo o tempo em que se efetuava. Desta maneira, a morte foi considerada um ato público, uma festa, um segredo, até o ponto de se considerar algo triste e doloroso. Mas, como saber reagir diante ela? É verdadeiramente necessário sofrer?

Quando uma pessoa morrer, o fato resulta catastrófico para alguns e para outros é o momento perfeito para valorizar suas vidas. E é que às vezes nos sentimos mais vivos quando soubemos que alguém mais morreu. Mas, por quê? É nesse cenário de perda e ganho no qual nos perguntamos: qual é a transcendência da morte de uma pessoa para o mundo? Como se deve definir? Para responder essas perguntas estudaremos dois poemas do celebérrimo Fernando Pessoa que nos permitirão constatar a relevância da morte no mundo, neste caso, com os poemas Quando Vier a Primavera e O Menino de Sua Mãe.

Certo é que quando uma pessoa morrer, seus seres queridos ficarão chateados, mais essa chatice não acarretará o encerramento das suas vidas e é isso o que autor constata no poema Quando Vier a Primavera. Si você morrer, o mundo não deixará de ser mundo. Você simplesmente representa uma gota de água no mar que é a humanidade. De fato, nosso referente Pessoa, expressa <<Quando vier a Primavera / Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira>> (Caeiro, 1925). Nestes versos nota-se que a persona não tem medo de morrer, a morte não lhe produz insegurança nenhuma, e é isso o que preocupa a grande maioria quando pensarem na morte, o desconhecido, a incerteza.

Além disso, Pessoa, através do seu autonomeado mestre Alberto Caeiro manifesta aquela visão objetiva da vida ao expressar a inexistente repercussão da sua morte <<Sinto uma alegria enorme / Ao pensar que minha morte não tem importância nenhuma>> (Caeiro,1925), o qual, se olharmos nosso quotidiano, é a verdade mais universal. Essa declaração não só constata a irrelevância da morte de uma pessoa, mas também poderia representar uma sorte de solidariedade; imagine que o mundo se tornar um caos cada vez que uma pessoa falecer. Eis o momento que pensamos que o trágico é questão de perspectiva.

No caso do poema O Menino de Sua Mãe, nota-se que a situação é muito diferente, pois a morte representa dor e perda, mas neste caso, a morte dói aos que estão perto do falecido <<De um lenço... Deu-lho a criada/ Velha que o trouxe ao colo>>. Neste sentido, há mais uma diferença, pois no primeiro poema se fala da morte como um evento futuro, <<Quando vier a Primavera/ Se eu já estiver morto>>, mas ela ainda não tem chegado, a pessoa ainda não morreu, por contrário, no segundo poema, a morte chegou e levou-se consigo alguém <<Jaz morto, e apodrece,/ O menino da sua mãe>>.

Pode-se verificar esse sentimento de perda e a nostalgia de um bem perdido ao lermos <<Filho único, a mãe lhe dera/ Um nome e o mantivera:/ “O menino da sua mãe”>>. Pois além da morte ele sempre vai ser o seu filho, o seu amor, o seu bem, e é essa perda a que por vezes custa ultrapassar para uns mais do que para outros. Pode notar-se também que a vida é um processo, para uns mais longo do que para outros, mas um processo que vai acabar em qualquer momento. Neste sentido, considera-se a brevidade da vida do menino e a perda que representa a sua morte: <<Tão jovem! Que jovem era! / (Agora que idade tem?)>>. Pois achamos que os jovens são o futuro das gerações, que tem de descobrir, experimentar, e a sua morte além de uma perda, é uma pena.

Como se evidencia neste texto, Pessoa permite-nos reflexionar no que diz respeito à subjetividade. Através da análise dos seus poemas, podemos perceber o leque de perspectivas, sejam negativas ou positivas, que se podem obter de um fato “tão trágico” como a morte; por conseguinte, a morte pode definir-se segundo a situação na que se encontre a pessoa, mas também se deve a como é vista nesse momento pela sociedade, é dizer, sempre vai depender do contexto. É necessário compreender que a morte, o morrer e o medo de morrer despertam sentimentos que não estamos costumados a expressar, e que a morte é um processo de mudança, de transformação, um processo pessoal e interno, que só se pode ultrapassar quando o aceitamos como normal e quotidiano, tanto como a vida e viver. É nesse momento em que encontramos plenitude.


Jerlín Castillo - Ana Volpe

Fontes:

Quando Vier a Primavera

O Menino de Sua Mãe

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